Está aqui

Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Descrição e Áudio-descrição: revisitando algumas conceituações

por Francisco Lima

Prezados:

Em seguida ao último post que enviei, recebi um e-mail, endagando porque eu grafava áudio-descrição com o traço de união e, em artigo citado por mim em outro post (o leitor se referia ao artigo de minha exorientanda Lívia Guedes, replicado aqui neste espaço), a palavra áudio-descrição era grafada com hífen.

Já escrevi a respeito desse assunto em artigo na Revista Brasileira de Tradução Visual, sob o título de “O Traço de União da Áudio-descrição
Versos e Controvérsias”.
Mas, antecipo que se pode-se aceitar gramaticalmente ambas as grafias, tomando sentido diferentes, sobretudo de acordo com a postura que se toma para com a áudio-descrição. A nossa é de que não se trata de uma mera descrição falada, mas de uma tecnologia assistiva que prima pela busca do empoderamento da pessoa com deficiência, feita com critério técnico, ético e com profissionalidade.

Então, ao nosso ver, não basta somar áudio à descrição, é preciso que se crie uma ponte de sentidos entre esses dois termos, forjando um novo conceito, o da áudio-descrição.

Agora, para responder para o subscritor do e-mail e trazer o tema aos colegas, extraio o trecho abaixo do artigo “REFLEXÕES SOBRE O PILAR DA ÁUDIO-DESCRIÇÃO: “DESCREVA O QUE VOCÊ Vʔ, disponível em www.rbtv.associadosdainclusao.com.br .
No artigo citado, extratificado a seguir, assim foi tratado esse tema:

“2. Descrição e Áudio-descrição: revisitando algumas conceituações

O conceito de áudio-descrição é alvo de muitas reflexões ideológicas, jurídicas, filosóficas, e não se esquiva aos embates linguísticos, situados inclusive na utilização do hífen.
Quanto ao uso desse sinal gráfico em palavras compostas, o “Vocabulário Ortográfico da Língua Brasileira” (2009), publicado pela Academia Brasileira de Letras, no item XIV, afirma que
45. Só se ligam por hífen os elementos das palavras compostas em que se mantém a noção da composição, isto é, os elementos das palavras compostas que mantêm a sua independência fonética, conservando cada um a sua própria acentuação, porém formando o conjunto perfeita unidade de sentido (VOLP, 2009, LXXIX).
Segundo Oliveira (2010), na composição de palavras
temos, via de regra, duas bases para formar uma nova palavra, ou seja, duas idéias particulares, ocorrendo uma especialização de sentido: como em queda-de-braço, dama-de-ferro, força-tarefa, eleitor-fantasma, pente-fino, estação-tubo, seguro-desemprego. Este processo caracteriza-se não apenas pela junção de duas formas independentes, ou a existência de pauta acentual de uma certa natureza, mas a distinção reside no campo morfossemântico. Em seguro-desemprego, por exemplo, há uma unidade significativa em que um dos elementos não pode ser suprimido, assim como em couve-flor, rádio-amador, palavra-chave etc.
Este processo é o que ocorre com a palavra áudio-descrição, ou seja, o vocábulo áudio (De audi(o)- (q.v.).] S.m. 1. Eletrôn. O som audível, reproduzido eletronicamente ) que pode ser classificado gramaticalmente como substantivo masculino, adjetivo ou funcionar como prefixo; quando usado na formação da palavra áudio-descrição não tem o objetivo de mudar, estritamente, o sentido do termo descrição (exposição circunstanciada feita pela palavra falada ou escrita), mas de juntos constituírem um novo substantivo com função, significado/sentido próprios (LIMA et.al. 2009):
Áudio-Descrição: Serviço de apoio a comunicação que consiste no conjunto de técnicas e habilidades aplicadas, com objetivo de compensar a carência da capitação da parte visual contida em qualquer tipo de mensagem, fornecendo uma informação sonora adequada que a traduza ou explique, de maneira que o possível receptor com capacidade visual diminuída perceba tal mensagem como um todo harmônico e da forma mais parecida o possível de como seria para uma pessoa que enxerga a compreenderia (AENOR, 2005).
Quanto ao uso do hífen na palavra áudio-descrição, apesar de não termos encontrado este vocábulo dicionarizado nos suportes em que pesquisamos, podemos afirmar, a partir desta regra, que é um substantivo composto, que não perdeu a noção de composição e os dois elementos que o constituem tem sentido/significado na língua portuguesa brasileira, ao contrário do que pode ocorrer quando a palavra áudio funciona como prefixo, por exemplo, em audiofone.
Portanto, é relevante esclarecer que as dúvidas quanto a escrita adequada de áudio-descrição surgem em razão da interpretação das regras que orientam a ortografia de vocábulos como audiovisual, audiofone, audiograma, audiometria etc as quais , de acordo com o Scarton e Smith (2002) e Rios (2009), são constituídas pelo prefixo latino áudio (lat audio), sendo nestes casos desnecessário o uso do hífen, pois este prefixo é um morfema que se coloca antes dos radicais (parte fixa, invariável da palavra) basicamente a fim de modificar-lhes o sentido e raramente produz mudanças na classe gramatical da palavra primitiva.
Baseando-nos em estudos, realizados por Oliveira (2010), sobre estrutura das palavras, podemos afirmar que os vocábulos em que áudio funciona como prefixo
são formados por uma base apenas, ou seja, por elementos que apenas acrescentam um novo significado ao significado primitivo dos vocábulos em questão, mas não criam uma nova palavra, não ocorrendo, portanto, com essas formações, uma especialização de sentido
A estruturação dessas palavras é diferente do que ocorre com áudio-descrição, pois esta não significa descrição, nem áudio, é uma tradução visual, ou seja, as palavras juntas compõem uma nova unidade semântica dissociada da noção expressa pelas unidades que a constitui. Há um “distanciamento entre o significado do todo e o significado das partes que é normal pela própria função da nomeação” (OLIVEIRA, op.cit)
Discutir sobre a escrita da palavra áudio-descrição é tomar consciência não somente da orientação ortográfica vigente no Brasil, mas da natureza semântica que o vocábulo comporta. Nesta linha, concordamos com Lima et al ( 2009, p. 3) ao afirmar que
a ortografia desse vocábulo apresenta um traço de união que nos remete a uma nova construção, a partir da composição de elementos distintos e com significados diversos bem conhecidos, o real sentido da áudio-descrição também nos remete a uma nova compreensão do direito à informação e à comunicação. Por conseguinte, o significado dos vocábulos áudio e descrição é bem mais que a união dos dois elementos que o compõem, não sendo, portanto, a mera narração de imagens visualmente inacessíveis aos que não enxergam. A áudio-descrição implica em oferecer aos usuários desse serviço as condições de igualdade e oportunidade de acesso ao mundo das imagens, garantindo-lhes o direito de concluírem por si mesmos o que tais imagens significam, a partir de suas experiências, de seu conhecimento de mundo e de sua cognição.