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Brasil - Campinas é eleita modelo de inclusão

por Lerparaver

Governo federal escolhe seis cidades no País para projetos de acessibilidade para deficientes

Campinas está entre os seis municípios do Brasil que integram o projeto Cidade Acessível é Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos, do governo federal, para divulgar e incentivar ações que facilitem o acesso dos cerca de 25 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência — 14,5% da população do País. Na prática, a proposta é oferecer privilégio em linhas de créditos para novas iniciativas inclusivas e reconhecer as já realizadas.

A cidade foi escolhida porque, segundo a Subsecretaria Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, já desenvolve iniciativas relevantes no setor. Em troca, os prefeitos assinaram termos de compromisso, em que os municípios se comprometem a trabalhar para atingir 100% de acessibilidade.

Além de Campinas — único representante de São Paulo —, fazem parte do projeto Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Joinville (SC), Rio de Janeiro (RJ) e Uberlândia (MG).

Entre as iniciativas de Campinas que destacaram a cidade estão o elevador adaptado no Paço Municipal, a construção de 18 novas estações de transferências para usuários do transporte público, a construção de 2 mil rampas de acesso e a ampliação de programas como o Programa de Acessibilidade Inclusiva (PAI), que disponibiliza transporte exclusivo para deficiente, que atualmente conta com 1,2 mil usuários, e da frota de veículos adaptados.

A Empresa de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) diz que 280 dos 1,2 mil veículos do sistema de transporte coletivo são adaptados. Em 2005, eram apenas 21 veículos acessíveis.

“O grande desafio neste setor é corrigir o passado, uma vez que, em prédios antigos, ainda encontramos muitas dificuldades”, reconhece Darci da Silva, secretária municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social de Campinas.

O projeto Cidade Acessível vem sendo formulado desde abril, quando o governo federal entrou em contato com 20 municípios para verificar o interesse e a disponibilidade política de atuação. Como critérios de avaliação foram elencados acessibilidade e eliminação de barreiras, acesso à saúde e à reabilitação, acesso à educação especial na perspectiva inclusiva, transporte público urbano acessível, trabalho e emprego.

De acordo com a secretária, a cidade espera a conclusão de um estudo sobre a acessibilidade, organizado pela Prefeitura, para definir projetos futuros. “Temos a Comissão Permanente de Acessibilidade através da qual o cidadão pode sugerir iniciativas e relatar dificuldades.”

Modelo Apesar dos pontos positivos, pessoas com deficiência ouvidas pela reportagem afirmam que Campinas não deve ser considerada modelo para as demais regiões.

“Participar do projeto é algo bom porque pode atrair investimentos, mas Campinas está muito longe de ser uma cidade acessível. Ainda há muito para se fazer”, avalia Roseli Bianco, presidente do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência.

“Essa é uma parceria que nos obriga a continuar buscando uma cidade plenamente acessível e que, ao mesmo tempo, reconhece ações já realizadas como as estações de transferências, o serviço do Pai e até mesmo o prédio da nova rodoviária. Mesmo assim, sabemos que ainda há muita coisa para fazer. Estamos só no começo”, reconhece Darci da Silva.

Tetraplégico há 15 anos após sofrer um acidente, Vinícius Garcia, de 34 anos, endossa o discurso de que Campinas, a exemplo das demais cidades do Brasil, ainda “engatinha” quando o assunto é acessibilidade. “Se formos comparar com os Estados Unidos então podemos dizer que a acessibilidade no Brasil não existe”, diz ele, que participa do organização não-governamental Centro de Vida Independente de Campinas.

“O projeto do governo gerou controvérsias porque as pessoas podem confundir seu significado, já que ainda falta muito. Porém, o lado positivo é discutir a questão de forma mais ampla. Acessibilidade não é apenas garantir mobilidade. Em Campinas, por exemplo, ainda não temos um central de interpretes para ajudar pessoas que sejam surdas-mudas nas repartições públicas e nem cardápios em braille nos restaurantes. Acessibilidade é garantir direitos iguais”, diz.

Cadeirantes aguardam doação desde 2008 Segundo a representante do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência, Roseli Bianco, a Prefeitura de Campinas irá entregar em agosto 200 cadeiras de rodas, prometidas para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2008. A questão envolve sucessivos problemas com a empresa vencedora da licitação, realizada há dois anos. De acordo com Roseli, a entrega, com mais de um ano de atraso, teria como primeira justificativa as dificuldades financeiras da vencedora. No início deste ano, em novo acordo entre a empresa e Administração, um novo prazo foi estabelecido: 18 de junho. Mas novamente foi descumprido porque estaria faltando alumínio no mercado. A empresa foi multada. “A informação que nós do Conselho temos é que, após a entrega em agosto, a Prefeitura fará uma nova licitação para atender toda a lista de espera, mas nem sabemos ainda quantas pessoas são.” A Secretária de Saúde foi procurada para falar do atraso, mas não respondeu. (AG/AAN)

Município tem que melhorar para ser vista como exemplo Campinas está longe de ser acessível. A informação é comprovada no dia a dia de quem tem algum tipo de deficiência. A reportagem do Correio acompanhou, na tarde da última segunda-feira, o estudante de administração Everton Monteiro do Carmo, de 24 anos, durante um passeio por algumas avenidas do bairro Castelo. Everton, que tem paralisia cerebral desde o nascimento, geralmente não usa cadeira de rodas, já que se locomove bem com o apoio de muletas. Porém, há quatro meses, precisou passar por uma cirurgia e se viu na condição de cadeirante. “Só quem vive a experiência sabe dos obstáculos diários. Muitas vezes, os cadeirantes desistem de sair de casa pensando nas dificuldades. Isso é justo? Todos pagamos impostos igualmente”, afirma. Para ele, até merecer o rótulo de “cidade acessível” Campinas precisará percorrer um longo caminho.

Hoje, a realidade acusa a falta de rampas de acesso nas ruas, a ausência de semáforos com alerta sonoros e mesmo uma insuficiente da frota de veículos adaptados. E mesmo nas boas iniciativas, há obstáculos para serem superados.

Para conseguir o benefício do Programa de Acessibilidade Inclusiva (Pai), por exemplo, é preciso acordar as 6h da manhã.

“Caso contrário, não consigo o agendamento, uma vez que a procura é maior do que a oferta”, diz. “Também é complicado esperar o ônibus adaptado. Da faculdade até a minha casa são apenas cinco quilômetros, mas espero e demoro duas horas no trajeto. As vezes, a vaga para cadeirante está ocupada e tenho que esperar ainda mais”, diz ele.

Diante da Torre do Castelo, conhecido ponto turístico da cidade reformada e reinaugura no último dia 15 de maio, ele lamenta. “Mas eu aqui só posso olhar”, diz.

Cadeirante, o consultor de informática Paulo Eduardo Santos, de 33 anos, afirma que “antes de ser uma questão política, essa é uma questão de conscientização da necessidade do outro. Todos precisamos participar dessa luta”, acrescenta. (AG/AAN)

PONTO DE VISTA

ROSELI BIANCO Presidente do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência e Cadeirante

Longe de ser lugar acessível Campinas está longe de ser uma cidade acessível. Ainda é um diamante bruto a ser lapidado. Mas com a luta do movimento organizado e com a atuação do conselho municipal estamos conseguindo avanços seja no transporte ou na questão arquitetônica, na saúde e educação.
Neste sentido é importante o termo de compromisso público assinado pelo governo municipal, Cidade Acessível É Direitos Humanos, que pactua metas a serem alcançadas. Os municípios também se comprometem a elaborar uma plano de ação municipal, além de criar e manter uma instância que monitore o compromisso, sendo garantido a participação dos movimentos sociais.
Na ocasião do acordo, quando uma representante da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal esteve em Campinas, nós do conselho municipal e do movimento a recebemos e a acompanhamos para visitar vários pontos da cidade, mostrando na ocasião os avanços e os problemas, indicamos para a secretaria do governo municipal como devia ser feita a articulação. Na minha opinião, o mais importante é que Campinas merece a oportunidade de ter investimento do governo federal para que seja uma cidade mais justa e acessível para todos.

PONTO DE VISTA 2

JORGE MARCIO P. DE ANDRADE Médico, psiquiatra, psicanalista e analista institucional

Questão é de direito humano A questão da acessibilidade urbana é principalmente uma questão de direitos humanos, já que não se trata apenas do temos de mudar no campo da urbanidade e do mobiliário urbano. Sendo assim, a discussão é sobre a real possibilidade de que o projeto Cidade Acessível, lançado pelo governo federal, trará em suas ações políticas e recursos para a ampliação do conceito de acessibilidade.
Este conceito, na minha opinião, deve ser acompanhado de um importante reconhecimento micropolítico de quem e quais são os sujeitos cidadãos e cidadãs a quem se pretende beneficiar ou respeitar com a afirmação dos direitos. Eu ando, mesmo que pouco e claudicante, pela cidade de Campinas experimentando-a a cada passo, pela condição de cidadão com mobilidade reduzida, com incapacidades, surgidas de um acidente de ônibus urbano.
Por isso, digo que ainda temos de ultrapassar a compreensão e concepção, reducionista, de que bastam as rampas em cada esquina para que afirmemos que estamos realizando a remoção de todas barreiras. Campinas ainda não é uma cidade totalmente acessível. Para tal, precisamos de uma inclusão ativa de todos os atores envolvidos com a mudança de comportamento, pensamento e de ações.

Fonte: Correio Popular de Campinas (07/07/2010)