Bento Amaral ficou tetraplégico, aos 25 anos, à boleia de uma onda na praia. Já numa cadeira de rodas, quis terminar o curso de Engenharia e, mais tarde, voltar a fazer vela. O atleta será um dos 35 a representar Portugal em Pequim
Decidiu que tinha chegado o dia em que iria passar a andar de cadeira de rodas mas nenhum momento da vida é fácil para sentar os sonhos. Muito menos aos 26 anos. As pessoas reparavam que tinha um andar diferente deixou de correr e até tropeçava caminhando apenas. Só que Bruno Valentim estava com alento ao decidir dar movimento à vida. Queria acompanhar os amigos à discoteca, ao centro comercial, ao café, e não podia ser uma doença neuromuscular degenerativa a pará-lo. Nem hoje é desculpa. Aos 42 anos, o atleta de boccia vai representar Portugal nos Jogos Paralímpicos de Pequim, China.
Há quatro anos, nos Paralímpicos de Atenas, Grécia, os portugueses trouxeram duas medalhas de ouro, cinco de prata e cinco de bronze. Este ano, teremos 35 atletas a competir em sete modalidades atletismo, natação, boccia, equitação, ciclismo, remo e vela , entre os dias 6 e 17 de Setembro.
Boccia joga-se num campo rectangular em equipas de três, ou a pares ou individualmente. A bola branca é o alvo e o objectivo é cada jogador (ou equipa) aproximar as suas bolas coloridas desta. Para Bruno Valentim o desporto não era novidade até ao 9.º ano praticou mais de dez desportos, incluindo natação, andebol e equitação; e foi também, aos 13 anos, que a doença se começou a manifestar. Quando, em 1996, o jogo do boccia deixa de ser exclusivo para pessoas com paralisia cerebral, ele foi convidado. 'Finalmente, ao fim de 15 anos, podia voltar a praticar desporto.' Nunca deixou de trabalhar e estudar. Com dois pós-doutoramentos, é professor de Ciências Naturais do ensino básico e secundário, no Porto. E foi convidado para investigador auxiliar no Centro de Geologia da Universidade do Porto.
Bruno tem deficiência motora ao nível dos braços, das pernas e do tronco. No boccia é dos melhores. 'Nunca perdi um pódio até agora, em Lcerca de 40 competições.' Do que assistiu dos Jogos Olímpicos, considera que 'as duas medalhas [a de ouro de Nelson Évora e a de prata de Vanessa Fernandes] são o resultado do sucesso de uma delegação com 72 pessoas'. Ele próprio vai tentar não falhar a medalha. À partida para Pequim, o atleta revela que ganha uma bolsa de 400 euros (durante 12 meses) e um prémio superatleta de 150 euros, este último pago pela Federação de Desporto para Deficientes.
A possibilidade de vir a sofrer problemas na coluna devido a má formação congénita num braço fez Leila Marques mergulhar na piscina pela primeira vez aos três anos. Aos 13 estreou-se na alta competição e em poucas braçadas estava no pódio. Em 2000 bateu o recorde mundial de pista curta dos 100 metros bruços.
Dos campeonatos do Mundo de 2002 e 2006 trouxe duas medalhas de bronze individuais e uma de prata nas estafetas e, nos Paralímpicos, conseguiu o quinto lugar. Para Pequim, o sonho é voltar aos primeiros lugares.
Aos 27 anos, o dia-a-dia de Leila inclui cinco horas de treinos repartidos pela piscina e o ginásio e outras tantas nos corredores do Centro de Saúde de Loures, onde está prestes a terminar a especialidade de Medicina Geral e Familiar. 'Acredito que, por ter uma deficiência, estou mais sensibilizada para lidar com pessoas com incapacidades temporárias ou permanentes. Sempre quis ajudar os outros. Acho que colhi o melhor exemplo de dedicação e entrega dos técnicos que durante anos cuidaram de mim no Centro de Reabilitação de Alcoitão', recorda.
Leila compreende bem o esforço que os companheiros dos Olímpicos fizeram: 'Os que tinham de trazer medalhas como a Vanessa Fernandes e o Nelson Évora conseguiram-no. A Naide teve um momento de azar mas muitos outros bateram recordes nacionais e individuais e todos eles mereciam mais carinho por parte dos portugueses nesta altura'.
Também convencido que os 'atletas portugueses vão para os Olímpicos e Paralímpicos para dar o seu melhor' está Carlos Lopes homónimo do primeiro português a ganhar o ouro nos Olímpicos. Não é cego de nascença. Piorou a partir dos 15 anos. 'Em certas fases foi desesperante. Há um momento em que teimamos em não aceitar as coisas. Mas depois há também o momento em que aceitamos viver com o que temos.' Aos 18 anos, já Carlos andava de bicicleta à noite guiado apenas por um forte clarão que indicava os postes de iluminação. Os pais evitavam falar da sua doença e ele viveu-a solitariamente.
'Não existe o dia em que deixo de ver completamente. O momento que associo a ser cego foi quando comprei a minha primeira bengala, aos 21 anos' conta Carlos Lopes. Foi também nesse ano que o então estudante universitário contactou mais de perto com pessoas com deficiência visual. As mesmas que o convidaram à prática desportiva. Daí até ser o atleta mais medalhado de sempre passaram 18 anos. Sempre acompanhado pela Gucci, a sua cadela guia, aos 39 o atleta para quem não ver é mais uma característica sua vai correr pela última vez (será a quinta) nos Paralímpicos. Vai parar não pela idade. Este ano já bateu o seu recorde pessoal dos 100 metros. É porque acumula a sua profissão de psicólogo, na área de orientação escolar e profissional, com a presidência da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal.
Dois anos mais novo que Carlos, Augusto Pereira tem uma paixão desmesurada pelo ciclismo. Conta o seu treinador, Henrique Santos, que dias antes da prova em Colorado, EUA, no Mundial de 1998, Augusto olhou para a maneta da bicicleta e, preocupado, achou que estava torta. Tentou endireitá-la e partiu-a. Foi, pela primeira vez na sua carreira desportiva, vice-campeão. Sofre de paralisia cerebral mas nasceu com vontade de vencer.
Augusto vive em Ílhavo, Aveiro, onde é carpinteiro no Centro de Acção Social. Trabalha todo o dia e ainda arranja forças para 60 a 80 km de pedalada. Quer fazer o mesmo que José Azevedo e Cândido Barbosa. 'Até lhe ofereceram um equipamento completo do Benfica. E ele ficou todo orgulhoso. Vestiu-o logo no dia seguinte' recorda o treinador que o acompanha há 15 anos.
Sara Duarte também sofre de paralisia cerebral. E, na sua vida, os cavalos surgiram, aos sete anos, como terapia (hipoterapia). Desde menina que se habituou a lutar por melhorar a sua condição física. O que tem conseguido graças também à ajuda da mãe, que é especialista em educação especial. Aos 24 anos, Sara passou para o 3.º ano do curso de Farmácia. 'Tem sobretudo dificuldades nas aulas práticas', explica Maria de Lurdes Cardiga, responsável pela Comunicação do Centro Equestre João Cardiga, onde a atleta treina.
Por duas vezes vencedora da Taça de Portugal de Paradressage (ou equitação adaptada), em 2007 e 2008, Sara esteve 15 dias na localidade alemã de Aachen a treinar, no maior centro hípico do Mundo, para os Paralímpicos.
Todos os nossos atletas são a prova de que com esforço se vence as vicissitudes da vida. Bento Amaral sofreu um acidente quando tudo o resto lhe sorria.
Não praticava surf como os outros: com prancha. 'Apanhava boleia' das ondas da Leça da Palmeira. Num dos saltos bateu com a cabeça no fundo e partiu a quinta vértebra cervical. Tinha 25 anos. Seis meses hospitalizado obrigaram-no a adaptar-se à sua nova condição: estava tetraplégico.
Bento adaptou à cadeira de rodas e voltou a sair à noite com os amigos. Um ano após o acidente, fez a cadeira que lhe faltava para acabar o curso de Engenharia Alimentar. Ia poder realizar o sonho de ser enólogo tal como é, aos 39 anos, provador de vinhos no Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto.
Parecia condenado a não voltar a fazer vela. O seu desporto de infância. Até que, em 2001, conheceu o australiano fabricante de barcos de vela adaptados a pessoas com deficiência. E começou a treinar no Clube de Vela Atlântico de Leixões, apenas ao fim-de-semana, três a quatro horas. No seu barco, Bento posiciona-se ao centro, preso por um cinto de segurança, e controla-o através de uma alavanca mecânica. Nos Paralímpicos compete em dupla com Luísa Silvano, de 49 anos. Tudo na vida do velejador se adaptou à sua nova condição. A família foi fundamental e hoje conta com o irmão como seu treinador e a mulher como sua companheira. 'Apesar das dificuldades, consigo ser feliz e espero que outras pessoas, em circunstâncias iguais, também possam ser.' |
TUDO SOBRE LUSO-PARALÍMPICOS
A medalha de ouro no Jogos Paralímpicos vale dez mil euros para os atletas em modalidades desportivas individuais, segundo a Portaria n.º 393/97 de 17 de Junho. Nelson Évora, por exemplo, recebeu 30 mil euros com o ouro Olímpico. Ainda no palmarés dos Paralímpicos, a prata vale 5000 e o bronze 3750 euros.
Nas modalidades colectivas, cada participante (titular ou suplente) recebe 5000 euros no caso do ouro, 2500 em prata e 1875 euros em bronze. Nos Paralímpicos de Atenas, Grécia, em 2004, os portugueses trouxeram duas medalhas de ouro, cinco de prata e outras tantas de bronze. Este ano, Portugal será representado nos Paralímpicos de Pequim, China, entre 6 e 17 de Setembro, por 35 atletas.
Estaremos a competir em sete modalidades: atletismo, natação, boccia, equitação, ciclismo, remo e vela. Além dos atletas, viajam mais 50 oficiais, que são, entre outros, guias, acompanhantes e o pessoal da missão portuguesa. Os paralímpicos recebem bolsas para treinar, que são divididas em várias categorias.
E ainda um suplemento de 150 euros mensais, como prémio superatleta, da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes.
Fonte: http://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?contentid=3D392636-A410-4E82-828...
-
Partilhe no Facebook
no Twitter
- 1596 leituras