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Só cinco por cento dos cegos tem emprego

por Lerparaver

Vítor Graça cegou quando já tinha 26 anos

A rotina repete-se quase todos os dias. Vítor Graça sai de casa e chega à Associação Promotora do Ensino de Cegos por volta das 09h30. Pela frente tem um longo dia de trabalho, que se divide entre reuniões, envio de e-mails e contactos com instituições parceiras.

Antes de cegar, chegou a trabalhar num empresa de administração de condomínios, mas a “falta de confiança das pessoas” levou-o a trilhar outros rumos. Após todas as barreiras sociais que transpôs, hoje assume as funções de assessor de direcção na associação onde trabalha e faz parte de um grupo restrito de cegos que tem emprego estável.

Olhando para trás, Vítor Graça reconhece que “as coisas mudaram muito nos últimos anos”, sobretudo graças à evolução da tecnologia, o que permite às pessoas com deficiência serem “mais autónomas e independentes”, mas lembra que “o acesso ao emprego mantém-se igual”. O mesmo é dizer que as portas do mercado de trabalho continuam de costas voltadas para os deficientes. “Calcula-se que existam em Portugal cerca de 50 mil cegos, a grande maioria fechados em casa”, lamenta, sublinhando que “só cinco por cento dos cegos tem emprego”.

Vítor perdeu a visão aos 26 anos. “Quando as pessoas cegam é qualquer coisa de terrível, é como ter um castelo e esse castelo ruir”, diz com a voz embargada. Adaptar-se ao quotidiano foi um desafio complicado que o obrigou a abandonar a empresa de gestão de condomínios. “Quando um cego aparece para administrar, pode ser muito competente, mas não o aceitam”, assegura, admitindo que teve de “deixar a profissão porque as pessoas não confiavam”.

Entre voltas e reviravoltas decidiu tirar um curso de informática, que o levou mais tarde a dar formação a invisuais. “Ofeceram-me este trabalho e as condições eram melhores, por isso aceitei”, recorda.

Além do desgosto de nunca ter visto o rosto dos dois filhos, lamenta a falta de oportunidades para pessoas com deficiência. “A formação profissional praticamente não tem saídas profissionais”, denuncia, deixando o exemplo do ensino dos cestos de verga e a formação para telefonistas e massagistas, a última com “um pouco mais de saída”.

“Tirando o Estado, as instituições de solidariedade social são as maiores empregadoras” de pessoas com deficiência, admite, sugerindo “um levantamento das pessoas com deficiência, onde se situam, a idade que têm, formação a dar e para onde é possível encaminhá-las”, para criar “uma bolsa de empregos”.

3 perguntas a Idália Moniz (Secretária de Estado-adjunta e da Reabilitação)

-Ainda existe dificuldade no acesso ao trabalho?

Em 2006 estiveram inscritas nos Centros de Emprego 7257 pessoas com deficiência, o que nos leva a concluir que as pessoas com deficiência não procuram o sistema público de emprego.

-Falta exemplos de deficientes no Estado

- Sem dúvida. Já há exemplos, mas é preciso divulgá-los. Não duvido que pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades, são alvo de melhores avaliações.

-Impor quostas é uma solução?

- Nos países onde há quotas, os empregadores preferem pagar multas por não terem pessoas com deficiência nas empresas.

Depoimentos

"Desempenham bem o trabalho" Cesaltina Laranjeira, 55 anos

“Conheço um caso num centro comercial, em Lisboa, onde três pessoas com deficiência trabalham. Um deles é sapateiro. Já tive oportunidade de os observar e pareceu-me que desempenhavam bem o trabalho.”

"Pior para quem tem limitações" Salvador Quiteque, 30 anos

“Não é fácil para alguém que tenha uma deficiência arranjar emprego. Se no geral as pessoas já têm dificuldade, quem tem limitações é ainda pior. Acima de tudo é necessário mudar mentalidades e dar oportunidade a todos.”

"Acesso é dificultado " Jorge Falcato, 53 anos

“O acesso ao trabalho é logo dificultado pelas fracas qualificações da maior parte das pessoas com deficiência e que resulta do difícil acesso à educação. Não existe sequer informação que permita conhecer a população com deficiência.”

"Acho que há discriminação " Augusto Arsénio, 41 anos

“Acho que há discriminação. Há empregos em que as pessoas são adaptáveis a diversas funções e deviam ser-lhes dadas mais oportunidades. Em todas as empresas há de certeza meios para as contratar.”

Números

- 1000000 é o número, estimado pelas associações, de pessoas com deficiência existentes no País. Os últimos dados exactos são de 2001.

- 375 mil pessoas com deficiência contabilizadas no País em 2001, 169 mil das quais com actividade económica e 153 mil assalariadas.

- 7257 pessoas com deficiência estiveram inscritas, em 2006, nos centros de empregos, num total de mais de 441 mil indivíduos inscritos.

- 2 milhões de pobres existentes em Portugal é o número estimado por Rogério Roque Amaro. O economista acredita que este número pode ter aumentado nos últimos anos

- 17 por cento dos pobres portugueses têm emprego. Esta percentagem é avançada pela representação da Rede Europeia Anti-Pobreza em Portugal Diana Ramos com D.P.

Fonte: http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?idCanal=9&id=261141